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Ligar o Sono ou Desligar a Vigília?

Desde a Antiguidade até quase a metade do século 20, acreditou-se que o sono ocorria passivamente quando os estímulos sensoriais diminuíam, por exemplo, quando o animal procurava um ambiente tranquilo e escuro para repousar, reduzindo o nível de ativação do cérebro. Pode-se dizer que foi graças a uma epidemia de encefalite letárgica, a "doença do sono", que essa visão começou a mudar.


No inverno europeu de 1918-1919, milhares de pessoas foram atingidas pela encefalite letárgica, que curiosamente causava efeitos opostos em pessoas diferentes: algumas ficavam efetivamente letárgicas, num estado de sonolência permanente, enquanto outras eram atacadas pela insônia. Fazendo a autópsia de pacientes derrubados pela encefalite, o barão austríaco Constantin von Economo (1876-1931), neurologista eminente da época, descobriu que, regularmente, uma certa região do cérebro havia sido lesada nos insones e outra nos letárgicos. Os insones foram reveladores. Se a ocorrência de sono dependia do funcionamento de uma porção do cérebro, o processo cerebral de adormecer ou acordar não podia mais ser tão passivo assim. Semelhante a Broca, que identificara uma área frontal do cérebro como o “centro da fala” pelos sintomas causados por sua destruição, von Economo anunciou ter descoberto o “centro do sono”.


Foi o suíço Walter Hess (1881-1973) que explorou de forma experimental a novidade do controle ativo do sono, lesando ou estimulando eletricamente porções definidas do cérebro do gato. Em 1922, ele pôde atribuir o controle do sono a duas regiões próximas do hipotálamo, com funções opostas: uma necessária ao sono, outra, à vigília. A descoberta lhe valeu o prêmio Nobel de medicina ou fisiologia de 1949.


No mesmo ano de 1949, o italiano Giuseppe Moruzzi (1910-1986) e o americano Horace Magoun (1907-1991) cometeram um erro providencial. Posicionaram errado os eletródios que empregavam para estimular o cérebro do gato, e por acaso descobriram que a estimulação elétrica da formação reticular mesencefálica causava modificação no EEG semelhante à que ocorre na transição do sono à vigília. Moruzzi e Magoun chamaram o processo de “ativação do EEG”. Um detalhe importante é que o processo de ativação independia de estímulos sensoriais, sugerindo que a formação reticular poderia funcionar como um centro interno de controle do estado do cérebro.


E não era só isso: 10 anos depois, o trabalho do francês Michel Jouvet deixaria claro que a mesma formação reticular que ativa o cérebro na transição à vigília também é ativada durante um determinado estado do sono. Este estado é o de sono paradoxal, descoberto por Nathaniel Kleitman e seu estudante Eugene Aserinsky, em 1953, e logo associado ao período em que acontecem os sonhos. Quer dizer: o cérebro controla ativamente o sono, e é estimulado pela formação reticular mesencefálica não só para sair dele, mas também para iniciar os sonhos.


AUTORA: Suzana Herculano-Houzel, Professora-adjunta do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro.


FONTE: Livro: LENT, Roberto. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos fundamentais de neurociência. 2ª Edição. São Paulo: Editora Atheneu, 2010.


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